Lei Antimáfia: um alerta necessário para o compliance corporativo
Nos últimos dias, a proposta de criação de uma Lei Antimáfia no Brasil voltou aos holofotes, especialmente com o Seminário sobre o tema realizado em São Paulo. A iniciativa reacende discussões importantes sobre como o crime organizado se infiltra nas estruturas econômicas e institucionais do país.
Inspirada em modelos internacionais, como o da Itália, a proposta prevê a criação de uma agência nacional especializada no enfrentamento da atuação mafiosa e de organizações criminosas que utilizam empresas e contratos para lavar dinheiro e expandir sua influência nos setores público e privado.
Embora o tema pareça distante da realidade de muitas organizações, ele pode interferir diretamente na forma como estruturamos nossos programas de integridade. Se você atua ou sua empresa possui áreas de compliance, governança, proteção de dados ou ESG, vale a pena parar por alguns minutos para entender os principais pontos dessa proposta.
Venha refletir junto comigo.
O que você precisa saber sobre a Lei Antimáfia
A proposta em debate prevê a criação de uma Agência Nacional Antimáfia, com atuação coordenada entre União, Ministério Público, Polícia Federal e agências estaduais. Um dos pontos mais polêmicos – e também inovadores – é a autorização para que essa agência crie empresas fictícias como ferramenta de investigação, com o objetivo de se infiltrar em estruturas criminosas disfarçadas de atividades legais.
Na prática, o governo se prepara para enfrentar um tipo de crime que se sofisticou muito nos últimos anos, estruturado por redes que operam com licitações fraudulentas, movimentações financeiras por meio de empresas de fachada, contratos simulados e parcerias com aparência de legalidade.
O Brasil já convive com indícios claros de infiltração criminosa no setor público e privado — basta acompanhar as notícias dos últimos anos. Grupos como PCC, Comando Vermelho e milícias já não se limitam ao tráfico de drogas, expandindo suas ações por lavanderias legais, serviços, obras, tecnologia, comércio e até educação. É justamente por isso que uma Lei Antimáfia bem estruturada e tecnicamente fundamentada ganha relevância: ela mira diretamente na economia do crime.
Impactos no compliance corporativo
Até aqui está tudo entendido. Mas a pergunta que fica é: qual a interferência dessa proposta e como ela impacta o compliance corporativo?
A proposta da Lei Antimáfia exigirá uma revisão estratégica da atuação do compliance, que desde já merece a sua atenção. Se antes o foco estava em fraudes convencionais, corrupção e conflitos de interesse, agora é necessário estar atento também à possibilidade de vínculos — ainda que indiretos — com estruturas criminosas organizadas. Isso significa ampliar o campo de visão dentro de um programa de integridade.
Tanto os programas de integridade já consolidados quanto os que estão em construção precisarão reforçar seus mecanismos de análise prévia, supervisão contratual e monitoramento contínuo. A responsabilidade empresarial não se restringe mais ao que é visível. Será necessário buscar indícios de operações atípicas, estruturas societárias complexas, movimentações financeiras incompatíveis com o porte da empresa e, sobretudo, vínculos suspeitos com agentes públicos ou regiões de risco.
Além disso, a existência de uma agência com poderes investigativos mais amplos aumenta o grau de exposição das empresas. Aquelas que não conseguirem demonstrar, de forma clara e rastreável, que adotaram medidas para evitar relações com estruturas ilícitas poderão ser responsabilizadas. Em outras palavras, a omissão também passa a ser um risco concreto. Não começar a pensar na aplicabilidade dessa lei dentro do seu programa de integridade pode custar caro mais adiante, impactando estrutura, reputação, processos e até mesmo investimentos.
Um olhar renovado para a política de due diligence
Diante desse cenário, o impacto será ainda mais expressivo no pilar da due diligence. A diligência de integridade deixará de ser apenas uma ferramenta estratégica para se tornar uma exigência com análises mais aprofundadas. O compliance não pode mais se satisfazer com a entrega de CNPJs, certidões negativas e declarações de idoneidade. As empresas precisarão rever o fluxo e reestruturar o processo de due diligence, adaptando-se a um novo nível de exigência.
Outro ponto crucial é o monitoramento contínuo. A empresa que hoje parece regular pode, amanhã, ser envolvida em um escândalo ou investigação. Ter mecanismos que atualizem automaticamente as análises, alertas internos e canais de denúncia bem estruturados pode ser a diferença entre detectar um risco a tempo ou ser envolvida — ainda que de forma indireta — em um esquema criminoso com graves implicações legais e reputacionais.
A nova lógica da due diligence nos força a sair do protocolo e avançar para uma inteligência de integridade que seja ativa, preventiva e conectada com os riscos do mundo real. E isso exige investimento, tecnologia, equipe preparada e apoio institucional.
Conclusão: um passo à frente vale mais que uma resposta atrasada
Após essa dose de reflexão, resta claro que o cenário atual exige uma postura proativa das organizações. Esperar que a Lei Antimáfia seja aprovada para só então agir pode ser um erro com consequências graves. O momento é de revisar políticas internas, alinhar expectativas com lideranças e tornar a integridade um valor estratégico, e não apenas uma exigência operacional.
Que a proposta da Lei Antimáfia sirva como um convite à reflexão e à ação responsável. Empresas éticas não são apenas aquelas que não cometem crimes, mas sim aquelas que enxergam além do agora e fazem de tudo para não compactuar, mesmo de forma inconsciente, com estruturas criminosas.
No fim, o que está em jogo não é apenas a conformidade com a lei. Está em jogo a reputação, a sustentabilidade e a legitimidade das nossas organizações diante de um mundo cada vez mais atento à integridade real – aquela que não se escreve apenas nos documentos, mas se pratica todos os dias.
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