- Fabíola Grimaldi
- há 5 dias
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Quando a vida amorosa vira risco de compliance

Acredito que você já tenha lido (ou até cansado de ver) notícias sobre escândalos corporativos envolvendo corrupção, fraudes financeiras ou vazamento de dados. Mas… casos de relacionamento amoroso no topo da hierarquia empresarial? Esses são mais raros de ver, né?
Depois do CEO da empresa de tecnologia Astronomer ser flagrado supostamente traindo a esposa pela famosa “câmera do beijo” durante um show do Coldplay, temos agora um novo episódio, ainda mais complexo, envolvendo a Nestlé.
O CEO da companhia foi afastado após uma investigação interna revelar que ele mantinha um relacionamento amoroso com uma funcionária sob sua supervisão direta. O caso, que rapidamente tomou as manchetes, expôs não apenas uma violação das políticas internas da empresa, mas também o impacto profundo que a conduta da alta liderança pode gerar sobre a governança, a cultura e a reputação de uma organização.
E se você ainda acha que isso é “coisa da vida pessoal”, a gente precisa conversar.
O mito da separação entre o pessoal e o profissional
No mundo corporativo, especialmente em posições de liderança, a linha entre vida pessoal e profissional é muito mais tênue do que se imagina. E não, não estou falando de vigiar a intimidade dos colaboradores. A reflexão aqui é outra, ou seja, quando escolhas pessoais envolvem estruturas de poder, elas impactam diretamente a percepção de justiça, meritocracia e integridade dentro da organização.
Por esse olhar, o que poderia parecer apenas um “romance de escritório” se transforma, na prática, em um risco de compliance, quando há hierarquia direta, promoções envolvidas e ausência de transparência.
O caso da Nestlé nos leva exatamente a essa reflexão. De acordo com as informações divulgadas, o código de ética e conduta da empresa proíbe expressamente esse tipo de relacionamento hierárquico sem comunicação formal.
A intenção por trás de políticas como essa é justamente evitar favorecimentos, conflitos de interesse e assimetrias de poder que comprometem o ambiente de trabalho e a confiança institucional.
O fato é que o episódio em tela reacende, com força, um tema delicado, de entender quais são os limites entre vida pessoal e profissional dentro das organizações? Onde termina a liberdade individual e começa a responsabilidade institucional?
Mas a empresa pode proibir namoro?
Tenho certeza de que essa é a pergunta que está aí rondando sua cabeça, caro leitor. E, como quase tudo no mundo corporativo, a resposta exige nuance.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há vedação legal ao relacionamento amoroso entre colegas de trabalho. A CLT é silenciosa sobre o tema, e a Constituição Federal assegura o direito à intimidade e à vida privada. Assim, não existe previsão legal que permita à empresa proibir esse tipo de vínculo. Tampouco o simples ato de namorar configura, por si só, uma infração disciplinar.
Por outro lado, o ambiente corporativo é regido por normas internas próprias, especialmente em empresas que contam com programas de integridade mais estruturados. Códigos de ética e conduta, políticas corporativas e diretrizes de compliance costumam disciplinar a convivência no trabalho, inclusive quando surgem relações afetivas que envolvem hierarquia direta, com potencial de gerar conflito de interesses ou percepção de favorecimento.
Em muitos contextos, essas políticas preveem que, nesses casos específicos, o relacionamento seja comunicado formalmente ao RH ou à liderança da empresa. Essa orientação busca, em geral, preservar a isonomia entre colegas e permitir ajustes preventivos, evitando impactos indesejados na dinâmica da equipe e na cultura organizacional.
No caso específico da Nestlé, conforme divulgado pela imprensa, o Código de Ética e de Conduta da companhia previa essa comunicação prévia como obrigatória. A ausência desse procedimento, somada a denúncias registradas nos canais internos da organização, culminou na abertura de uma investigação interna, que também contou com apoio externo.
Segundo nota oficial divulgada pela empresa, a decisão de desligamento foi embasada na violação das normas internas. De acordo com o comunicado, a medida teve como objetivo zelar pela governança, integridade e isonomia nas relações profissionais.
Ou seja, o ponto central não parece estar no relacionamento em si, mas sim na conduta esperada de quem ocupa cargos de liderança, nas regras previamente estabelecidas e nos impactos que determinadas escolhas podem gerar dentro de uma estrutura organizacional.
A reflexão fala de questão afetiva, mas também fala de conduta, de transparência, de responsabilidade institucional. E talvez, mais profundamente, de como encontrar o equilíbrio entre a liberdade individual e o compromisso com a cultura e os valores da empresa.
Qual o papel do compliance em situações como essa?
Casos que envolvem relações interpessoais no ambiente de trabalho, sobretudo quando há hierarquia envolvida, colocam o compliance diante de um desafio sensível. Isso porque exigem uma escuta atenta à vida privada dos colaboradores, sem perder de vista o ambiente organizacional e, principalmente, os pilares de segurança, transparência e integridade da empresa.
E é justamente nesse ponto que o compliance atua: como guardião da integridade, da transparência e da cultura ética corporativa.
Nessas situações, a função de compliance não se limita a aspectos jurídicos tradicionais. Pelo contrário, é necessário lidar com condutas que, embora de natureza pessoal, têm potencial de afetar o clima organizacional, a percepção de imparcialidade e a credibilidade de processos internos. Por isso, sua atuação requer equilíbrio, sensibilidade e clareza de critérios.
É fundamental que estruturas de compliance estejam preparadas para definir e comunicar normas internas de conduta, bem como para lidar com situações em que possam surgir conflitos de interesse, desequilíbrios de poder ou riscos à reputação institucional.
Outro aspecto relevante é a promoção da transparência. Em determinados contextos, a ausência de clareza sobre determinadas relações ou decisões pode gerar ruídos internos, desconfortos nas equipes e percepções sobre favorecimento ou quebra de isonomia.
Ao final, o papel do compliance em casos como esse talvez esteja menos em oferecer respostas prontas, e mais em sustentar as perguntas certas.
Diante disso, talvez a reflexão não seja apenas sobre o “pode ou não pode”. Talvez a pergunta mais relevante seja: como o compliance pode construir uma ponte ética entre o comportamento individual e os valores institucionais, zelando por equilíbrio, coerência e responsabilidade?
Conclusão: mais perguntas do que respostas
A conclusão deste artigo? Eu deixo mais perguntas e reflexões do que respostas. Afinal, casos como esse não costumam trazer respostas fáceis. Pelo contrário, o que eles fazem é abrir espaço para perguntas que nem sempre têm consenso, mas que precisam ser feitas.
Talvez o ponto mais importante seja justamente reconhecer que o papel das empresas, da liderança e das áreas de compliance não é o de controlar comportamentos, mas sim o de criar ambientes seguros, claros e éticos, onde todos, independentemente do cargo, compreendam o peso de suas escolhas.
No fim, mais do que julgar o que aconteceu, talvez o convite seja para refletir sobre como estamos nos preparando para lidar com situações como essa nas nossas próprias organizações.
Referência:
OpenAI. (2025). Título do prompt ou pergunta feita ou cocriação ou correção ao ChatGPT.
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